segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Apreensões iniciais

Já sinto saudades do teu corpo quente na cama, do teu cabelo em meu rosto, em minha boca, se enroscando em mim como se enroscavam nossas pernas. O fato de eu abrir os olhos e já tocar você me acalmava, permitia que em meu peito não pulsasse um coração tão doído. Nosso tocar silencioso saciava minha gana e minha mente. Longe de ti me preocupo bem mais, tenho a cabeça no mundo, quando não caio, em instantes de desespero, vagabundo. Tão pouco tempo e já não agüento mais drogas, bebidas e cigarros. Às vezes até amigos e mulheres me enchem. Mas quanto mais me concentro em minha busca, mais me desencanto e me descuido. Talvez fosse mais fácil só ir indo, sem busca por problemas e soluções, mas depois de tanta coisa não posso mais esquecer o que apreendi e aprendi.
Tive certa sorte na vida. Tenho 22 anos e ainda tenho pai e mãe, que moram juntos, que me cuidam e me dão segurança para seguir meus ideais, minhas vontades, meus quereres, meus dons. Tenho o poder de poder escolher sobre mim mesmo, pelo menos dentro de certos limites, pelo menos não falta comida nem teto, pelo menos posso poder estudar, posso sambar em qualquer dia da semana.
Confesso que hoje olho para mim e olho para o povo e sinto certa vergonha de mim mesmo. Por que eu posso e eles não? Por que uns sambam e outros servem? Até poderia discorrer sobre os processos históricos que desembocaram nessa condição, mas aqui e agora não é essa minha intenção.
Sinto, penso, penso, estudo, sinto, sinto, sinto muito, penso e estudo, mas minha única conclusão é: como é complexa essa ilusão, tudo isso aqui, isso que chamamos de vida, de mundo. Por que raio alguém foi um dia inventar a idéia de justiça? Seria muito mais fácil só ir indo. Mas, como diria um professor meu: Mais fácil para quem, “cara pálida”? Mais fácil para o dominador, o opressor, mas não para o dominado, o oprimido.
E aí minha moral fala: Não! Não quero participar dessa dominação, dessa opressão. Nasci podendo, mas sinto culpa por isso, sinto muito! Por que posso e outros não? Por que foram me colocar no meio dessa confusão, dessa contradição perversa?
Por instantes reprimo-me, entristeço, contraio-me, choro. Noutros instantes explodo, salto, grito, corro. Depois de tanta energia gastada e destruída, ao passar a dor e o medo, só então tenho instantes de lucidez. Digo a mim mesmo: Calma! Respira e só respira. O que pensa agora? Penso que, diante dos vários planos do poder, o único plano é olhar mais perto, é transformar o possível buscando o impossível, é plantar sementes e não simplesmente regá-las, mas chover sobre elas, cair em tempestade, em água fervente, em potência e força, em poder. Mas como matar o poder agindo por ele? Bom, fica ai uma pergunta que ainda não respondo, fica como um paradoxo. Mas um paradoxo que não me desespera como antes. Pelo menos agora tenho a força da luta, e luto também contra meu pior inimigo – eu mesmo.
Desenrolando essa luta e essa contradição, decidi então ir ver o mundo. Afinal, que adianta tanto pensar, se pensamento não é matéria – pode até encher a alma, mas não enche o bucho de ninguém. É esse o objetivo que tomei para mim – lutar por ordenar a terra, saciar sua fome, minimizar sua dor, mas não na lógica de incessante criação de necessidades do sistema capitalista. Minha decisão foi lutar por um sentido contrário. Não gosto desta palavra, pois afasta muitos que não conhecem seu verdadeiro sentido, mas é comunismo sim! É esse o sentido que a humanidade deve ter para si – o comum como um sentido comum, não matando a diversidade, mas afirmando a união, a comunhão. Apesar disso, penso que esse comunismo provavelmente estará também impregnado pela lógica do poder, mas talvez consigamos inventar uma idéia que a sobreponha. Haveremos de pensar, juntos! Por hora minha força segue o sentido da destruição, do esvaziamento, da negação, querendo matar as relações capitalistas e toda sua conseqüente solidão.

Lá vou eu mundo. Dê-me força forças profundas, que a força que me impulsiona é forçar a união de todas as forças! Hasta la religación.
Venceremos!!!

domingo, 16 de agosto de 2009

Muito bem Jasão
Você é poeta
Perigoso
Porque de repente está dando às palavras a intenção que interessa a você
Só que essa ansiedade que você diz,
Não é coisa minha não
É do infeliz do teu povo
Ele sim que anda aos trancos
Pendurado na quina dos barrancos
Seu povo é que é urgente
Coisa cega
Coração aos pulos
Pois carrega um sultão amarrado pelo umbigo
Ele, então, não tem tempo, nem amigo e nem futuro
E uma simples piada pode dar em risada ou punhalada
Com uma mesma garrafa de cachaça
Acaba em carnaval de graça
É teu povo que vive de repente
Porque não sabe o que vem pela frente
Então ele costura a fantasia
Sai fazendo fé na loteria
Se apinhando
Se esgoelando no estádio
Bebendo no gargalo
Pondo no rádio sua própria tragédia a todo volume
Morrendo por amor e por ciúme
Matando por um maço de cigarro
E se atirando de baixo do carro
Se você não agüenta essa barra
Tem mais, quer se mandar,
Se agarra na barra do manto do poderoso Creonte
E fica lá em pleno gozo de sossego, dinheiro e posição
Com aquela mulherzinha
Mas Jasão
Já lhe digo o que vai acontecer
Tem uma coisa que você vai perder
Que é a ligação que você tem com a sua gente
O cheiro dela, o cheiro da rua
Você pode dar banquete Jasão
Mas samba é que você não faz mais não
Não faz
E ai é que você se arrocha
Porque vai tentar
E sai samba ruim
Essa é a minha maldição
Gota d’água nunca mais seu Jasão
Samba, aqui ó!
Nunca
Você não engana ninguém
Nunca
Gota d’água nunca mais
Nunca...
Vai
Vai atrás dela vai
Corre
Não é essa tua grande ambição
Depressa
Bebe, come, lambe, goza
Mas se quem faz justiça nesse mundo me escutar
Esse casamento imundo não vai haver não
Por falta de esposa.


Chico Buarque e Paulo Pontes – “Monólogo do povo”.