sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Um de meus olhos sobre a Bolivia



Era uma vez um samba. Um samba de Chico Buarque de Holanda. Diz ele que foi à Lapa para fazer uma homenagem, um samba àquela malandragem, mas chocou-se, pois as pessoas que formavam sua engrenagem já não existiam mais. Agora têm que trabalhar, na lógica de sujeitar sua força e sua potência às leis do capitalizar. E então o malandro mudou de classe e mudou de nome. Agora sob uma nova face, a face do Bem, das leis e do trabalho, esse malandro esbanja poder, dinheiro e paga salários – salários de fome, fazendo daquilo que era um homem seu cachorro domesticado. Assim se deu a morte do malandro da Lapa, assim morreu sua criatividade, assim domou-se sua vadiagem.
Mas em Santa Cruz - Bolivia a coisa é diferente. Por enquanto não vejo grandes coorporações, não vejo grandes redes de lojas ou supermercados, não vejo McDonalds. Mas vejo pícaros e maleantes, com criatividade e agilidade de espantar, de surpreender turistas, que vêm aqui aproveitar todo o dinheiro que, na Europa e nos Estados Unidos, ou até mesmo no Brasil, está a sobrar. E assim se tranfere um pouco de tecnologia aos países pobres. São câmeras fotograficas de última geração, são celurares, notebooks e até a documentação. Mas, infelizmente, a incorporação desta tecnologia só vem por essa via, ou pela via do consumo dos que aqui andam com super caminhonetes ou limosines, dos que pagam suas compras em dólares, nas lojas que só cotam seus preços assim.
Mas aqui também tem gente honesta. Gente que não se dá ao luxo à televisão, gente que enche as praças às noites, aos domingos, aos feriados. Gente que senta à beira da rua, gente que mira e da valor a sua cultura. Gente à assistir concertos musicais públicos, gente que os assiste sem precisar de cerveja, gente num caminho lúdico-simples. E as manifestações aqui ocorrem todos os dias, sejam políticas, culturais ou meramente pessoais, pois é na rua que as pessoas estão e é dela que retiram com o que viverão. Mas há aqueles que reclamam: “Os bolivianos são preguiçosos, não querem trabalhar. Deviamos trabalhar pelo menos 12 horas por dia, só assim é possível o progresso, só assim é possível capitalizar”.
Santa Cruz é o departamento mais rico da Bolivia, aqui se produz a maior parte dos produtos agricolas e industriais, aqui está a maior parte da produção de petróleo e gás natural da Bolivia dos dias atuais. Aqui está a maior parte dos brancos e mestiços, ou os sem nenhuma autoindentificação sengundo o senso do povo originário ou indígena da Bolivia, no qual constam os Quechuas, os Aymaras, os Guaranís, os Chiquetanos, os Mojeños e outros nativos, com forte maioria dos dois primeiros na totalidade da população boliviana. Aqui percebi também posições contrárias e favoráveis à Evo Morales e suas políticas. Os de raíz indigena costumam ser favoráveis à Evo e à exaltar sua vida pessoal. Muitos brancos e mestiços de maior poder aquisitivo, que ficam em cafés discutindo os processos políticos atuais, enquanto os com algum sangue indigena trabalham, costumam defender as posições anti-Morales e liberais. Há também os que simplesmente se calam. Tudo isso segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas da Bolivia, minhas próprias percepções em minhas experiências e conversas pessoais com ricos e pobres, numa quantidade não tão extensa como numa pesquisa científica “legítima”.
No momento ainda me pergunto: O que é a Bolivia, sua história, seu povo, sua cultura? Para onde está indo com o governo de Morales, com sua nova constituição e a nova consciência política de seus povos? Quais são as forças políticas que realmente a determina hoje? Quem produz o que a Bolivia produz como isso é distribuído?
Os que reclamam não sabem ainda o trauma de apenas ser mais um a se explorar, de dedicar sua energia a coisas que não voltam às mãos, numa lógica de consumo, de destruição, da atenção, do tempo e da emoção, mas também de toda construção, selando a morte da criatividade e da tradição, que sempre cai em descontrução para dar lugar a algo mais “moderno”, que vai ter mais valor e mais vapor, mais poder centralizado. Dizem estes: “Vou para os Estados Unidos buscar minha liberdade”. Respondo eu: “Vai com Deus irmão, mas talvez veja o significado da escravidão”.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Uma fé iluminista no amor.

O fogo. O fogo queima. O fogo destrói. O fogo transforma a matéria em fumaça. Mas do fogo emana luz; o fogo aquece. E assim o fogo permite à vida. O fogo acontece em mim. O fogo acontece tão forte em mim, que eu, quando aconteço, quero ser fogo, quero acontecer em não-matéria e tranformar a matéria em terra. E, quando estiver em terra, a terra nutrirá, da terra sairá a vida - uma nova vida acontecerá. Com o calor daquele fogo, toda a água evaporará, se renovará. Quando o vento à água juntar, seu destinho será chover, e, assim, hidratarei a vida que acontecerá. As sementes irão brotar, irão se multiplicar, e, assim, encarnarão uma nova não matéria, que fogo não é.
Será o amor, será um valor, será a moral que irá se universalizar. Será uma moral não divina, será a consciência humana do universal, que entre nós governará. O inconsciente não mais enterrará o amor nas profundezas inacessíveis, pois o consciente eternamente retornará, e, assim, apronfundará o poder do presente, o poder da justiça, que o fogo do amor esclerecerá!

Memórias de uma despedida

Franslaide Jesus da Silveira
R. São Corado Camorado, número 600
Campo Grande - MS, Brasil.

Essa Frans, mulher da vida louca, seus braços foram quebrados e mutilados quando criança - as marcas estavam visíveis. Olho esquerdo rocho, cheia de ematomas na face - disse apenas que perdeu seu filho de dois anos e que apanhou da polícia. Não sei muito bem ao certo por que, mas sei que gostou de mim. De certa forma até me cuidou. Eu só precisava pegar um ônibus, estava indo para Bonito - MS, paraiso de belezas naturais exclusivas - lugar exclusivo aos que podem pagar por suas belezas. Ela olhava em meus olhos - tinha um olhar, apesar de surrado, doce - e dizia que era uma pessoa ruim, a mais ruim da cidade, mas dizia isso com uma bondade contraditóriamente incacreditável. Falei, para ela, de Deus - essa coisa que não sei muito bem o que é, mas que me serviu para falar do amor, da esperança de construir algo, com fé e não com sorte, mas talvez a sorte já havia moldado seu ser. Prostituta desde seus braços quebrados, disse que quando chegou em Campo Grande seu primeiro teste de emprego, emprego imposto, foi o teste da farinha, e tinha as 23 pregas que exigiam dela - mas durou pouco! disse baixando a cabeça e sentindo a dor do passado. Não sei muito bem por que, mas sei que gostou de mim. Quando eu estava para entrar no ônibus, me chamou, me beijou na testa e disse: "Vai com Deus". Pediu que eu escrevesse meu nome num pedaço de papel, escrevi. Pediu que eu escrevesse também meu endereço, entregando o seu com seu nome, para que nos encontrásse-mos um dia - não tive coragem! Beijei-a na testa e disse: "Fique com Deus", e fui calado, doendo. Me olhou, como alguém de minha família, até perder-me de vista - seu último gesto foi um beijo na mão e a mão a apertar seu coração.

Atravessei as imensas terras do Mato Grosso do Sul e senti meu coração sento metralhado, hectare por hectare, por balas de chifre de boi!

Pantanal - MS, Brasil.