Muito bem Jasão
Você é poeta
Perigoso
Porque de repente está dando às palavras a intenção que interessa a você
Só que essa ansiedade que você diz,
Não é coisa minha não
É do infeliz do teu povo
Ele sim que anda aos trancos
Pendurado na quina dos barrancos
Seu povo é que é urgente
Coisa cega
Coração aos pulos
Pois carrega um sultão amarrado pelo umbigo
Ele, então, não tem tempo, nem amigo e nem futuro
E uma simples piada pode dar em risada ou punhalada
Com uma mesma garrafa de cachaça
Acaba em carnaval de graça
É teu povo que vive de repente
Porque não sabe o que vem pela frente
Então ele costura a fantasia
Sai fazendo fé na loteria
Se apinhando
Se esgoelando no estádio
Bebendo no gargalo
Pondo no rádio sua própria tragédia a todo volume
Morrendo por amor e por ciúme
Matando por um maço de cigarro
E se atirando de baixo do carro
Se você não agüenta essa barra
Tem mais, quer se mandar,
Se agarra na barra do manto do poderoso Creonte
E fica lá em pleno gozo de sossego, dinheiro e posição
Com aquela mulherzinha
Mas Jasão
Já lhe digo o que vai acontecer
Tem uma coisa que você vai perder
Que é a ligação que você tem com a sua gente
O cheiro dela, o cheiro da rua
Você pode dar banquete Jasão
Mas samba é que você não faz mais não
Não faz
E ai é que você se arrocha
Porque vai tentar
E sai samba ruim
Essa é a minha maldição
Gota d’água nunca mais seu Jasão
Samba, aqui ó!
Nunca
Você não engana ninguém
Nunca
Gota d’água nunca mais
Nunca...
Vai
Vai atrás dela vai
Corre
Não é essa tua grande ambição
Depressa
Bebe, come, lambe, goza
Mas se quem faz justiça nesse mundo me escutar
Esse casamento imundo não vai haver não
Por falta de esposa.
Chico Buarque e Paulo Pontes – “Monólogo do povo”.
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