terça-feira, 1 de setembro de 2009

Memórias de uma despedida

Franslaide Jesus da Silveira
R. São Corado Camorado, número 600
Campo Grande - MS, Brasil.

Essa Frans, mulher da vida louca, seus braços foram quebrados e mutilados quando criança - as marcas estavam visíveis. Olho esquerdo rocho, cheia de ematomas na face - disse apenas que perdeu seu filho de dois anos e que apanhou da polícia. Não sei muito bem ao certo por que, mas sei que gostou de mim. De certa forma até me cuidou. Eu só precisava pegar um ônibus, estava indo para Bonito - MS, paraiso de belezas naturais exclusivas - lugar exclusivo aos que podem pagar por suas belezas. Ela olhava em meus olhos - tinha um olhar, apesar de surrado, doce - e dizia que era uma pessoa ruim, a mais ruim da cidade, mas dizia isso com uma bondade contraditóriamente incacreditável. Falei, para ela, de Deus - essa coisa que não sei muito bem o que é, mas que me serviu para falar do amor, da esperança de construir algo, com fé e não com sorte, mas talvez a sorte já havia moldado seu ser. Prostituta desde seus braços quebrados, disse que quando chegou em Campo Grande seu primeiro teste de emprego, emprego imposto, foi o teste da farinha, e tinha as 23 pregas que exigiam dela - mas durou pouco! disse baixando a cabeça e sentindo a dor do passado. Não sei muito bem por que, mas sei que gostou de mim. Quando eu estava para entrar no ônibus, me chamou, me beijou na testa e disse: "Vai com Deus". Pediu que eu escrevesse meu nome num pedaço de papel, escrevi. Pediu que eu escrevesse também meu endereço, entregando o seu com seu nome, para que nos encontrásse-mos um dia - não tive coragem! Beijei-a na testa e disse: "Fique com Deus", e fui calado, doendo. Me olhou, como alguém de minha família, até perder-me de vista - seu último gesto foi um beijo na mão e a mão a apertar seu coração.

Atravessei as imensas terras do Mato Grosso do Sul e senti meu coração sento metralhado, hectare por hectare, por balas de chifre de boi!

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